MEMÓRIAS DE UM FOLIÃO.



Sentado no píer, vejo partir o navio das lamentações. Acenam-me com olhos românticos e chorosos, pessoas vestidas em trajes russos. Ergo a mão e só. O cais, quase que vazio, abriga a névoa, que se expande, se esvai como sangue quente. Balanço as pernas como quem aguarda o sumiço do barco no horizonte difuso. A frescura da manhã cinzenta é mais do que normal, o Recife não é mais o mesmo. Vejo a torre rente, um amarelo encardido. O ladrilho reluz, informa que o tempo pára, que o tempo passa, que as horas voam, porém é cedo, é o cais. As mãos sacodem uma tola saudade precoce. As águas do mar cantarolam a vaga melodia, marcha fúnebre, o adeus rotineiro. Perante o mar, fumo a moral. Fumo tantas quantas substâncias inescrupulosas, pois absorto fico nesse devaneio de profano pesar. Ventanias que remexem meus cabelos ruivos, o fazem um tição na cena nublada da partida. Divagando, me dispo de toda cautela, uma ousadia impura e muda. É manhã, sem sol, sem calor. O navio, agora, apita sua debandada ao sul. A chaminé aumenta a obscuridade. Sem me levantar, me jogo ao mar, uma pancada seca na água. Fico a flutuar, à deriva, esperando um raio ou a luz colorida do cometa. Que rasgue o céu taciturno com algoz folia. Quero, antes de tudo, sonhar com carnavais alucinógenos. O contingente que parte, segue ignorante da tonalidade louca que se mentia lúcida aos forasteiros. No final, eram todos forasteiros. Os que residiam, os que seguiam ao sul. Sem querer afundar na água turva recifense, eu esperava que uma aurora boreal, não a que conhecemos como rua, plainasse como o frevo, que aos fevereiros, marços e abris, apraza o sentido cego, surdo e mudo. Tateei meu fim e apenas essa carta relembra a nostalgia absurda que avalio habitual nos meus dias mais sãos.      

Comentários

  1. Ulisses.... Você sutilmente capta os meus sentidos, no que diz respeito ao que sinto por Recife. Tem algo nesse texto que me chama... Me chama pra vida.Traz saudades do que passou e vontade do que vai acontecer nessa cidade...O mar, o cais, o porto,os rios, as pontes...Recife..Recife de Manoel Bandeira e Recife meu, nosso. Singelo, nem por isso pouco complexo.Uma província urbanizada e esquartejada de cabo à rabo. Um lugar peculiar...meio trech, com um lado bem mundano, imundo das ruas e com o gozo dos carnavais. Recife nos traz um anacronismo...onde passado e presente acontecem ao msm tempo
    ou brigam pra saber quem vai acontecer primeiro.
    Talvez por isso, cidade de pensadores natos...
    Talvez por isso, Ulisses... nossa cidade.
    Talvez por tudo isso, tenhamos essa ligação tão natural com Recife.
    Obrigada, por me deleitar nas suas escritas...

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