Insônia.

Com letras de sangue
Que terra e fogo me libertem
Do sono que nunca chega
E da dor que me atormenta.
Na fria madrugada emanam
Seres diversos, almas cruas
Em busca do calor dos corpos
Tão sonolentos em seus vales.
Com ferro e fogo vem a marca
O registro da sinistra vontade;
O barulho da cortina, o vento
Gatos caminhando sobre os muros
É a noite, seus escravos
Trabalham a igreja e seu rosário
O sangue que sujou o açoite
Agora lava alma submissa

O chuvisco, debaixo da torrente
As vozes o deixam no chão
Cheiro da terra dos cães
Ladram a cabeça esfacelada do boi
Ladram a morte que há de vir
Única certeza perante Deus
Ser este que repousa sobre as vidas
Tão onisciente quanto a brisa fresca

É tarde. O som dos passos já não anima
Metade das gentes dormiu
A outra dobra os joelhos
Perambula escandalizada pela insônia
Come ou assiste na sala
Um fado, o inquilino do espírito
A par do plano e da conversa
Os fatos já não formam pares
O que me resta? A insônia, presumo.
Sou daqueles que não dormem
Em sinal de respeito, enfermidade
Mania de loucura que o povo tem
Me esgota o cansaço, fico de pé
Ao tossir, a cabeça quase estoura
Dor e mais dor, o negrume não clarifica
Preparo-me para mais um ano.

Que sonho viver, nessa terra de mim mesmo?
Outro tipo, que não a glória
Que não o amor e o sexo
Que não a soberana nostalgia
Outro tipo, não dos que fazem rir ou chorar
Não dos que se chamam pesadelo
Um sonho transposto verdade
Da qual nunca se viu idêntica

A partir de agora, abolo os cacifes
A rua larga, solitária é aqui
Distância do que vi nos romances
Do que pregou o filho do homem
A tocha acesa, o poste, dá entrada turva
Itaquitinga a qual me refiro
Firo a fantasia e a beleza
Firo os sonhos e a tolice
Firo a mente humana e depois
Firo enfim a expectativa por outro lugar
É aqui, onde tundras são canas de açúcar
Onde carruagens sãos transportes coletivos
Os melhores banquetes em lanchonetes
O intelecto, viril e moral, na igreja matriz
A beleza carnal nos bailes e festas de rua
A vida em jogo, seja futebol ou loteria

As marinas de luxo, aqui rios vazios nos campos
As paragens divinas, plantações maculadas
De que anda o pobre? De burro, claro.
De que anda o rico? À cavalo, obviamente.
São palavras que se estatelam na boca
Sabedoria, Deus prazerá!
E sem Deus és não mais que oportunista
Chegado numa epifania social infame

Mas vamos ao que interessa aqui
É noite ainda, escrevo ao som dos guardas
Vejo poças d'água, chaminés fumaçando
Reclames de baixa e alta qualidade
Alarmes e alaridos que se resguardam
Na espera pelo novo dia, amanhã
Tenho esse e mais nove versos para o resto
Coisas que direi e me esquecerei depois
Sensações impróprias, o frio e a bexiga cheia
A enfermidade só me abarca os sentidos
Para o absurdo, é de ser imaginar
E agora o ócio, e agora preguiça
Meio mandrião, finjo que durmo
A luz do sol já me aparece
As vozes torrenciam sem a chuva
O sono aturde a noite mal dormida

No entanto, parado estou, parado fico
É dia, súbito, já não posso dormir
O remorso ameaça vir, se saia!
Lamentações das medidas que tomei
O labor é o próximo passo
Quantos mais virão em nome Dele
Poder que confunde, não invada o dia
Os passos podem ser ouvidos do quarto.    

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