minhas mãos e as rosas negras.

Os poucos lumes da noite nos iluminavam pobremente, apenas às penumbras, os olhos bem abertos, as pulseiras brilhantes ainda da boate, o perfume misturado ao suor dos corpos, ao líquidos dos copos, substâncias lança-perfume, um certo odor impregnado. Eu olhava a mulher por uns poucos minutos, entre beijos, amassos, abraços, mordidas, investidas viris, do que mais esqueci e foi bom. Ela ofegava nem sei porquê, pois procurava algo perdido em meu corpo, remexia com indiferença, um ar forçado, mas costumeiro. Suas vestes folgadas davam passagem à mão boba e curiosa. Seios fartos, bem feitos, como que preencheram o vazio das minhas mãos. Pus uma mão nas suas costas, apertei-a contra meu corpo, senti todo seu busto no meu, coração tranquilo, ela não dizia palavra sequer, trouxe seus lábios aos meus com aparente primeira voracidade e comprovada única sensação, senti suas mãos moverem-se, meu membro dentro dela por destreza exótica. Foi quando não quis mais. Dei um leve safanão, fechei o zíper enraivecido.
— Por que já vais, se nem começamos?
— Por decepção, reles decepção. Queria doutro modo, estás sendo puta por completa, acabaste com meu gozo.
— Não se vá?!
— Estou mais que decidido. Adeus.
— Adeus, senhor.
Fui-me, tomado dum sentimento de remorso incurável, além doutros impulsos. Minha casa estava distante. Recompus a posição da roupa, relógio, cabelo. Recobro os sentidos, o efeito do álcool se vai, lembro de tudo outra vez, a aliança reluz na mão esquerda. Dói tudo por dentro, os pelos se encrespam dum vento proposital que vem. O carro, recoberto de orvalho, está próximo. Pego as chaves, abro-o. Está tudo no lugar, jaleco, pasta, estetoscópio e um ramalhete murcho de rosas negras. Mais uma tentativa sem sucesso de reconciliação comigo mesmo. Eu continuo insatisfeito, as mulheres que encontro seguem insatisfeitas, a Júlia dorme, sonhando com minhas palavras e meu amor, preocupada com o meu plantão, falso. Desagrado é pouco. Nem sei o que sinto, o que me falta. Temos lindos filhos, os amo, a esposa que é maravilhosa e comprometida, sou eu o problema. A rotina me persegue do alto dos prédios, um fantasma sem nome que me procura nas alegrias e inunda tudo de melancolia. Ignora os meus desejos por sexo, pelo gozo, por um beijo mais apaixonado, pela beleza do corpo, da satisfação. Vejo tudo sujo, desorganizado, mórbido e vil. Controlo cá meus pensamentos, mesmo que em árdua guerra. Não sei, mas não ando bem, nunca estive.

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