Nu e cru: meu profundo orgulho.


A luz do sol depois do longo tempo de cinema encandeou tudo. Acho que esse lume clareou meu olhar. A minha camisa, já meio amassada, tinha o perfume sedoso da minha amada e o meu leve enfado fazia do meu corpo uma morada bastante cômoda. O filme que vimos, era um americano genérico, me dava um sentimento de proteção canina, pelo que me senti mais forte. Sentia meus músculos magros como de Hércules, minha mente cansada com a vivacidade shakespeariana; sai da sala escura sentindo meus poros adocicados. Talvez fora um carinho que tocou mais intenso ou meu ego, que é bem-humorado, se verteu, e por detrás dos prédios tortos da cidade eu tenha visto belos montes dourados, jardins floridos, borboletas e música hilária, eu dispus assim de um sorriso iluminado, cingido pelo sabor da juventude e dos sabores únicos presentes no amor, ao que respondi positivamente, sonhando um próximo encontro, acalentado numa nostálgica saudade e mesmo percebendo que a realidade aturdiria em outrora, eu teria dentre meus catálogos de possíveis emoções essa alegria alumiada e redomada, meu profundo orgulho.

      Eu dava mordida nos meus próprios dentes, para exercitar a mandíbula, e o gosto do chocolate e do beijo se misturavam ao meu sabor habitual e agora eu apenas refletia o que houvera se passado: abraços extasiados, risadas destrambelhadas, beijos molhados de amor, olhos luminosos que sempre anseiam por algo e eram aprazidos pelos corpos presentes, pois os pensamentos já iam juntos e distantes, como harpias loiras e cintilantes que se enlaçam e se correspondem em pleno céu de Recife. Ó sim Recife, paraíso depenado de glamour e seus prédios afrancesados hoje se fazem cortiços de vaga exuberância. O centro recifense, que exalava mijo e podridão, exortava uma aura desfeita do amor purista dos apaixonados, mas sustentava uma alma perfeita por curvas, tatuagens pagãs, sexo selvagem e drogas violentas. A beleza psicodélica se torna invisível aos primeiros olhos, pois a Boa Vista se mantinha impura na relação carnal entre a puta e o seu proxeneta, com os traços franceses causando a comodidade dos filhos da casa. Dentro desse emaranhado de percepções desvirginadas, eu me compunha, ingênua e vilmente, afeito ao ar pesado das modernas defumações corriqueiras, com canos de escape, cigarros e chaminés, pés de poeira, sujeira do hábito mórbido enraizado no Recife. Os cartazes esperançosos vendiam o futuro, a mulher amada e os trabalhos alheios, como de praxe. Eu macetava e feliz estava. Estou. Percebia-me envolto numa poesia de Rimbaud ou do Manuel Bandeira, perdido nos becos ou escadarias, no trejeito dos malandros ou nas palhaçadas dos macacos engradados do Parque 13 de Maio, sim o parque paradoxal. O grito das araras em suas gaiolas soava chato no Parque, que tinha seus velhos, crianças, mulheres, mendigos, meu amor e eu, nossos doces e lembranças, donde devoro, me encho, me alucino e vejo claro: Meu profundo orgulho.

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