O lamento

Três dias de purgatório.
           
O que há de lamentar? Que estou fraco e brilho algumas fagulhas rarefeitas, manchadas pelo incenso, num turíbulo velho sem perfume. Fui fogaréu incendiado pelo amor convalescente e minha voz repicou nos botequins e academias, mas hoje tenho peregrina esperança de ressurgimento. E terá de ser a trancos, barrancos, empurrões e pontapés. Meu corpo está repleto de hematomas e cicatrizes, cada uma delas ferida ingenuamente. Ando impensável, com as depressões das ruas se misturando às minhas agruras lúgubres. Não consigo ao menos uma sesta, sem que eu alquebre de tormenta, sem que algo venha e me transtorne. Só sendo vulto na escuridão, pra andar cômodo. Devo apenas lastimar e aguardar o próximo vento, para abrasar o que ainda conservo vivo. Palavras consoladoras se amontoam (nem sei se é muito), porém, é de um rumo que preciso. Uma fé para poder envelhecer sozinho, porque a bem da verdade, nasci sozinho, não tenho gêmeo e se tivesse tal cópia fiel, não faria acordo. Passei por suplícios e solucei sem cair lágrima, pois o que se notava, de fato, era a vileza que eu detinha. Eu não sou infame, nem propus à minha vida valores desonestos. Fui, sim, mal pago pelos meus encantos, e apesar dos meus princípios permanecerem ilesos, as minhas lembranças ficarão roídas pelos gostos dos homens e mulheres ao meu redor. Vou encontrar sempre uma foto que eu possa me queixar ou uma carta onde fui insultado, e olhe que nunca proferi insulto! O chacoalhar das minhas chaves virou motivo de conluio e também chacota, para os insolentes. Os vizinhos arregalam os olhos para mim, como que fazendo inquisição. É uma desgraça que assim seja. Livros, poemas, pinturas: hoje trago manias e uma carteira de cigarros ordinária. E não há do que reclamar, pois quem vos fala, para muitos dos tantos, jaz em sepultura pobre e indistinta. Tristeza é pensar que no alto dos meus 29 anos, eu viaje para me esconder, me mude para ocultar a minha condenada existência. Do amor augusto que habitou meu peito, eu tão só recordo os beijos das donzelas esquizofrênicas do meu bairro, as loucuras que fizeram junto comigo nas madrugadas adentro, os parques que percorremos juntos, os sorvetes de kiwi ao fim das noites, os pastéis queimados na desatenção, os seus sorrisos desvairados, acendidos ao sabor de minhas frases desconexas. Não que essas moças fossem todas iguais, mas meus olhos tinham a mesma paixão com que agora lamento. Pelo que o arrependimento me pode oferecer de remorso, me firo extremamente. Eu fui inocente, contudo, desisto de sê-lo. Mesmo sendo em mente onde eu realize minhas veleidades, quero ter a culpa que me atribuem. É só um pranto o que contei, mas também é justamente a resignação a que me interessarei. Sem mais delongas.

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