ressaca de vinho.

  Eu apeteço ao disparate.

              Ainda tenho guardados os cartões de lembranças dos Natais, aniversários e tantas outras festividades passadas. Ontem foi Natal, comemorei em casa e hoje estou com uma tremenda ressaca do vinho vagabundo que tomei, minha taça está toda trincada, o barulho do mar me entedia, aliás, qualquer barulho me machuca a cabeça. Fiquei em casa porque era menos dramático. Estava cansado, trabalhei até as sete, os projetos exigiam hora extra. O servente foi quem me desejou boa festa, nem o Walter se lembrou de mim, executivo de merda, vai amargar com o fingimento de Esposa e família. Não faz falta. Só o seu Ubiratan, que nunca esquecia o meu café. Fumamos juntos durante o ano, trouxe até um pouco de maconha pra nós e ele gostou. O ano foi verdadeiramente extenso. Mas passou e agora estou aqui estendido, ouvindo o marulho infernal. Desisto do vinho e das pessoas. O vinho é traiçoeiro, doce, mas implacável. As pessoas adoram juntar papéis, roupas e tantos objetos supérfluos. E embora eu fizesse as vezes de um boa praça, a ressaca seria dolorosa igualmente. A solidão é o happy hour mais sincero. Um pouco de uísque, alguma música suave na radiola, um livro talvez. É melhor. Sinto mais calor dentro de mim, quando estou sozinho. As pessoas querem meu sorriso, meus gestos, querem relatórios, declarações, desígnios, atitudes e pensamentos. Eu não exijo nada de mim, a não ser vida. Gosto de ouvir minha respiração, sentir meu coração bater, beber o uísque lentamente e senti-lo descer pelas entranhas. Não abomino as pessoas por completo, o seu Ubiratan é muito amável e o é sem fazer exigências. É muito são para um senhor de seus 56 anos. Sinto um gosto amargo na boca, não me recordo o que fiz ontem, não com clareza. O sol arde na minha pele, a casa está em desordem e eu não tenho pressa. Os cartões estão sobre a mesa, sempre os deixo expostos. Depois vão para a caixa como recordação magra de outros dias, muito enumeráveis. Devo fazer um chá pra aliviar a náusea, porém me sinto coagido a sossegar. É tudo o que posso fazer neste Natal. Não reservei verbas para presentes ou meros cartões. Tirei o telefone do gancho e desliguei o celular. Refiz-me e agora me sinto ameno. O vento seco alimentado no calor passeia pela casa, amanhã haverá expediente.

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