Alguma faceta.

Herdeiros da Recifessência

Foi preciso que me amordaçasse por inteiro e vendasse meus olhos azuis. O meu peitoral arrogante ameaçava romper as cordas, meu sangue circulava violentamente, as carótidas brandiam, o branco do olho corou. Não se prendiam pervertidos ou tarados naquela época, mas tratavam-nos como pais de família e moços de bom gosto. Os conhecidos, então, eram cheios de mentiras escabrosas, eu me permitia arrepender-se ou demoviam-me deste mundo a outro num gatilho puxado.

O primo da rapariga dos dotes agressivos enchia-se de júbilo, prole distinta nasceu da minha avó. Eram palavras e mais palavras de clamor que ecoavam pelas ruas, povos que admiravam o prestígio dos Brito pelos becos e vielas de Campo Grande. A estrada de Belém temia o mais alto dos senhores, Romário José de Brito, que não lhe ferissem o brio, perdoassem a todo custo ignorância e revelia, brabeza de precedente e brasão bem definidos. Tradição de poder que escorria nos córregos dourados, canos, veias das mulheres e homens da família Brito do bairro de Campo Grande.

Eu pouco me importava com tamanha ostentação de insignificantes nomes, medo de comunidade. Filhos de quem fossem, revéis como fossem, grosseria se devolvia com grosseria, cano de espingarda com cano de espingarda, sempre na pressão.

Maria das Dores me parira com muito esforço, abandonada ao leito por marido adúltero, sujeito feito pelas bandas de Serra Talhada, que não versou as leis infernais do lampião. Eu versei. Versei também a volúpia. Salpicava as alfazemas, o gel no cabelo, que deitava à cabeça, camiseta branca, calça jeans, cinto de tecidos, sapato em verniz. Um relógio de metal ao pulso ouvia-se a engrenagem mover. Um cigarro fino no canto da boca, sobrancelha irônica para fechar o detalhe. Os caninos salientes me davam a impressão de felino. O meu suor exalava virilidade avassaladora.

Conto-vos isso depois de tantas idas e vindas, pude perceber a maestria e maquiavelismo que se faziam carne e músculos, pensamento febril atrás de bigode delgado sem um pingo de qualquer psicótico ou brilho de vício. Meu vício era o não vício. E o meu território estava demarcado, o Estevam dominara, de cabo a rabo, as ruas do Campo Grande, quase Olinda.

Os seios fartos carregavam uma suntuosa senhorita, salto alto passeando, coxa por coxa, curvas que delimitavam a maciez exata, a pele morena, pelos louros, olhos mel. Olhos mel que me amordaçaram. Unhas crescidas e feitas, linhas desenhadas a lápis, boca carnuda com biquinho de beijo, seios como acúleos que espetariam minha mão acorrentada. As nádegas nada me diziam, pobre de mim, escrito em Carrara o que havia feito, minha vida recomeçaria dali. O sussurro, Com mil diabos, aonde queres me levar, resultou em meu cárcere, meu deslize.