Amor, desses desmedidos.


Era desses namoricos arrebatadores, que acabam com qualquer autopiedade. Assumiram tudo sem titubear. Viram, apenas, os braços tremer, os pelos em calafrio, os dedos gélidos, o olhar estático, invadindo o outro olhar. Depois da cortesia de um beijo na mão, os dedos desenlaçaram-se lentamente, numa carícia delicada, o corte seco para o olhar que se foi.
Daí foi sem mais nem menos, o que se fazia era por amor. Uma história clássica, de surpresas e declarações. Gardênia acordava louca na madrugada, um pesadelo tolo, um acidente de carro com o Denis, era choro pra soluço. Pegava o celular, discava imediatamente. Aos prantos, contava as minúcias, ele sempre cortês. Ao acordar, outro dia qualquer, a ligação de bom dia que se faz, o dia fica mais luminoso. As gentilezas, o pensamento fixo, a inoperância em pleno serviço, a inspiração amorosa a toda hora, tinham amor impregnado no sangue.
Os noivos, o que logo se tornaram, criaram laços platônicos entre si, manias de ternura e casal. Ele sabia imitar jeito de ser dela, e vice versa. Gardênia sorria de canto a canto da face ao ver Denis. Ele mandava flores, uns lírios brancos, ela escolhia bem o cd que ele gostava. Ela comprava camisas de bandas de rock, enquanto ele se lembrava dela no pet shop, a afeição dela por felinos.
Matavam saudade no horário de almoço, as alianças reluzentes em mão com mão, o sorriso já matreiro, eram pombos que se atavam pela alma. Denis, cheio de dedicação, dizia palavras de amor, fazia o consolo, se preciso, contava a comédia romântica, desencadeava, não sei de onde, estória pra Gardênia gargalhar. Ligava em hora imprecisa, pra saber como está, se comeu, se tossiu, alguma adversidade, e querendo ouvir “Eu te amo”, para passar o dia nos céus.
Gardênia não pensava noutra coisa. Fazia duas coisas ao mesmo tempo. Ou até três. Pensava, sempre, no Denis. Via parede, lembrava-se de fotos dos dois em molduras. Via jardim, lembrava-se de beleza, afeto e romantismo. Um ônibus passava, era a recordação do último passeio juntos. As borboletas de cor laranja dançavam no ar, eram os dois. Ela deitava na cama, sentia seu perfume impregnado nos lençóis. E fazia cara de idiota, um riso de dentes amarelos, o batom quase no fim, gasto dos beijos do almoço. Tirava os óculos de cristal parafusado, olhava pra cama de cima do beliche, imaginando Denis, Denis, Denis...
Carinhos, afagos de um casal apaixonado eram comuns. Aos domingos o namorico certo. O padre havia anotado em sua agenda, dinheiro adiantado, a data do casamento. Gardênia e Denis, braços dados, andando pela rua, sorridentes, quando, pé para atravessar, sem olhar, ônibus arrebata os dois. Ela, com um corte na testa, pescoço quebrado. Ele se esvaia em sangue, de rosto limpo. O pitoresco sorriso no rosto de ambos, olhos fechados, mãos dadas, alianças luzidias, dizia: Nem a morte os separa.

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