Émile.


      Sugava o seio materno, sem nenhuma nocividade ou malícia. Depois foi crescendo a ver mulheres e homens nus, andando pela casa, abraçando-se, roçando-se, sem restrição. Maquiagem, vaidade feminina, a puberdade aliciava seu corpo e dentro da sua intuição letárgica, não se importava de conceber o que seria de si. Foi se ocupando por outros casos, que não a própria sexualidade, ignorando-a por completo e agora, tinha cabelos longos, corpo torneado, misturando-se a um escasso cavanhaque. A voz não era decididamente grave ou aguda, tinha seus timbres por hora.
      Iniciou, então, a ver cenas de sexo no lar, entre parentes. O irmão, de 32 anos, esbelto, voz pesada, não permitia que a prima adolescente passasse num estreito corredor, sem uma leve apalpadela nos seios ou tapa nas nádegas. Metia a mão na genitália da moça, desconhecendo pudor, vergonha ou valores morais cristãos. A moça, que aparentava seus 14 anos, não dava sinal de se achar importunada. Tinha ar de meretriz.
      Insurgindo à maioridade, já não distinguia os gêneros. A irmã lésbica lhe assediava, debochadamente, esfregando o corpo nu em seu rosto. O irmão galanteador, ora trazia mulheres de torto e direito, ora trazia rapazes atléticos, para passar horas no quarto, a respeito de fraternidade. Ia à escola durante a tarde, e mesmo lá, recebia amolações, que sabia se sobressair, dificultosamente.
      Certo dia tomou conselho de uma madama sábia, muitos diziam ser carola, que existia no subúrbio. Mandou ter fé e paciência, ou excomungar-se de vez. Saiu de nervos à flor da pele, atolando-se ainda mais nos conflitos da sua androginia. Vivia na praia, esparramando-se na areia, meditando sobre o fado e a volúpia.
      Até o dia em que desvirginou. Estivera na castidade, na donzelice de espírito, quando sofrera estupro na rua. Seguia pelo estorvo da lembrança do assédio. À passos rápidos, andava pela rua, até interceptarem-lhe e levarem ao escuro. Esperneou, mas rendeu-se, puerilmente. Em casa, ninguém opinava, nem percebia. Foi amofinando-se, passou a usar cigarros, para aliviar a tensão constante. Não conseguia dormir, por isso, contemplava, sempre, o crepúsculo da manhã.
      Já indo à senilidade, estabilizava-se na insanidade. Nesse infindo conflito de vozes, sensações e dissabores, ia lidando com a vida. Às vezes amargava-se, num copo de cachaça, para esquecer que viveu as memórias lascivas que lhe castigavam. Passou longos cinquenta anos, nessa ambiguidade dissoluta, até que partiu, sem deixar recado, familiar padecente ou recordação amorosa ou de felicidade. Foi-se, pois não se decidiu.

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