Ode aos nossos insetos incestuosos.
Mariposas do nordeste vivem a pairar
pelos nossos terrenos baldios, nossas poças d’água salobra, nossos pés de araçá
rodeados de capim e um calor infernal. As moscas vivas sangram nossa ferida escancarada,
utilizam nossos restos de cabidela e feijoada, incomodam-nos a oração
barulhenta e a refeição voraz, destoam em nossos ouvidos durante o sacro sono.
Gafanhotos de esperança, que trazem cor às nossas paredes de cimento salpicado,
são despedaçados pelas mãos dos corajosos e curiosos, beduínos e aventureiros.
Um grilo viúvo chora a partida de
sua companheira, urrando no nosso bate-boca da vida alheia, nas calçadas, nos
matagais, nos espaços mais inusitados, como num templo, por exemplo. As
formigas altaneiras empestam nossas paredes, em busca de provento e açúcar em
excesso, dos nossos diabéticos desregrados e altamente atrevidos, se alojando
também na boca dos que se foram, seja por vingança, tolice ou morte morrida.
Triste formiguinha aquela que
passeia pela cerâmica fina e se depara com uma criança audaciosa ou um adulto
pusilânime, que a eliminará sem o menor escrúpulo. Os nossos besouros cascudos
se esbarram com nossos tetos de laje ao cu da noite, declamando seu concerto
solitário de notas secas.
Por fim temos, além de insetos,
disputas épicas dos nossos escorpiões belicosos, trucidando uns aos outros e a
nós mesmos, numa batalha canibal, velada de princípios ágapes. As aranhas
sorrateiras mordiscam suas doces peçonhas em nossos pés de anjo, enquanto
esperamos a novela das oito. As vespas, abelhas e maribondos, seres coloniais,
nos ferroam a pele crua, reduzindo-nos a alérgicos indefesos. E esse amor não
tem fim, nessa terra agreste, que é nossa, super-habitada por serezinhos feito
insetos e outros inexpressivos mais que minúsculos como nós.
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