Um domingo belo II
A espuma transbordou o copo e escorreu
lentamente. Tomei uma garrafa da cerveja mais barata, mesmo desacompanhado, só
para meditar. Luiza já devia ter pegado o ônibus para casa. Resolvi tomar o
caminho mais longo.
Amarrei bem a sacola com a
cerveja no bagageiro da moto e segui para a casa da Diana. No semáforo, um
senhor manco pediu-me uma moeda. Por um momento, achei que o conhecia. Ele me
olhava lívido, encarando-me profundamente. Cabelos grisalhos, rugas por todo o
rosto, a mão calejada se estendeu. Dei-lhe vinte reais. Ele devolveu-me um
sorriso largo e uma leve tapa nas costas. Prossegui distraído.
Chegando ao portão, vi que estava
envolto por uma corrente. Bati palmas e a avó da Diana apareceu na brecha da
porta de dentro. A passos lentos, ela abriu o portão. “A Diana está no banho, Mário.
Tu podes esperar?”, “Posso sim, dona Aparecida”, “Entre, meu filho, sente-se
aqui”.
A casa estava escura e abafada,
logo avistei a moça delgada, enrolada na toalha, longos cabelos molhados, um
sorriso malandro na cara, “Mário, o que tu fazes por aqui? Pensei que tinhas me
esquecido”, “Esqueci sim, mas passei pela sua rua despretensiosamente e resolvi
parar”, “Você sempre razoável comigo”, “Eu tenho seguido a minha vida, sabe”, “E
eu a minha, meu querido. Acabei meu namoro, entrei na faculdade, estou
trabalhando e vim morar aqui”, “Acabou o namoro?”, “Pois sim, acabei. Surpreso?”,
“Um pouco”, “E então?”, “Vou ficar só com um abraço, posso?”, “Deve. Leve esse
abraço e fique pensando no que pode acontecer em breve”.
Abracei-a impulsivamente, ela
tinha as mãos frias, mas o corpo estava cálido. Apertei mais e mais, quase a
sufocando. “Mário, não sabia que sua amnésia era tão carinhosa e afoita. Você
sempre atrevido.” Senti sua mão segurar meu pulso, que se dirigia involuntariamente
à sua bunda. Senti um calafrio tomar-me de assalto, Diana havia mordido a ponta
da minha orelha. Eu tinha de partir. Apertei afetuosamente seu queixo e me
despedi das duas senhoritas.
O relógio apontava 12:37, quando
subi na moto, atônito. Luiza cochilava no sofá, na companhia do cachorro.
Dispus a cerveja na geladeira, e me sentei no sofá, quando a Luiza despertou.
Dei-lhe um beijo e a deitei novamente. Eu tinha perdido o apetite. Fui para o
quintal, à sombra da goiabeira, fumar um pouco. O cachorro veio junto, fiquei a
lhe acariciar o pelo macio. Na minha cabeça, rodopiavam mil coisas que poderiam
acontecer em breve. Um belo domingo de janeiro.
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