Alguém tem de surgir.
Estar ofegante é condição humana
hodierna. O cansaço e o estresse que atontam qualquer pessoa têm ultrapassado
os limites da tendência, nos colocando no gesso, decretando a obsolência do
homem. A responsabilidade do adulto é extinguir suas forças no trabalho, no
estudo, na diversão, no sexo, no amor. Seremos sempre seres extenuados por
nossos próprios sistemas?
Não. As crianças passaram a saber
mais dessa resposta do que nós, sabedores das coisas. Um personagem antigo da
literatura e cinema norte-americanos, o Tarzan, é uma resposta longínqua para o
nosso dilema: o bom selvagem. É um conceito utilizado por Jean Jacques Rousseau,
que arquiteta um modo de ver o mundo democrático, esquerdista, comunista ou
social. Como quiserem, mas o que digo se refere ao humano puro. O ultimato à
propriedade privada, o contrato social, as leis de convivência civilizada,
conceitos dos quais hoje honestamente desconheço a essência, expressam o
desapego pela urgência, pela competitividade, pela posse e pelo poder que a
posse ostenta.
Um mundo intercalado,
sistemático, dialético, contraditório... estamos sim chegando onde eu quero, um
mundo de quereres. Movido por estas querências de estarmos em todos os lugares
a qualquer momento, o ser humano se superou, o que existe hoje é um conceito
vencido. Existe uma espécie de homem cibernético que está a frente do que nós
postulamos, ao existirmos à nossa maneira. Criou-se uma realidade que contradiz
a nossa própria natureza, a subversão de valores que ameaça nossa existência,
uma moral retalhada e retroativa que beira a velhacaria. Olhamos para as nossas
grandezas: as grandes economias, os grandes territórios, as grandes culturas de
massa, em tempo: a massa.
E dois olhos, uma boca, dois
ouvidos, um nariz, as diversas superfícies tácteis, além da massa encefálica
boba: a impossibilidade de abraçar o mundo. Ao passo que transformamos a Terra
numa aldeia, vamos nanificando e multiplicando as coisas, até que nos exaurimos
de vez. Precisamos de computadores, smartphones, robôs, máquinas, ferramentas,
meios de transporte e comunicação, de lentes de precisão, de fibra ótica, de
kelvin e fahrenheit, de dólares que corram o mundo todo, de um inglês nativo,
de tigres asiáticos, de pilates, de bênçãos, de bíblias, de touch screen, da
vida eterna e do souvenir, da monalisa e do embalsamamento, da torre Eiffel e
de Babel, de Ur e Quebec... ufa! O excesso virou regra, o espetáculo virou
rotina, a normalidade é uma aurora boreal em pleno meio-dia da segunda-feira de
um mês qualquer, em São Paulo capital.
Precisamos dar o dobro, o triplo,
dez, cem, mil vezes mais do que damos. É necessário empreender e produzir mais
com menos. É imprescindível desempenhar múltiplas funções, cultivar diversos
talentos, ler todos os livros de todas as épocas, atuar em todas as áreas de
todos os modos. Resultado: o ser humano está fora de sistema, está down.
À deriva, em algum lugar do
universo, um ser humano se esconde, com uma cerveja na mão, a flutuar no niilismo
de um buraco negro qualquer. Esse homem dissidente de si mesmo se permitiu
ousar, fugir da realidade, riscar um traço transgressor e irresponsável, sem
lógica de mercado, nem escola de arte, buscando a essência primeira e última de
si mesmo, como uma criança, desconexa do fato de existir sistematicamente. Como
alguém...
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