Um escritor em Pessoa
Foto: Reprodução do Facebook
Existe um mantra que se
aproxima de Sidney Rocha como um tiro certeiro: “Há metafísica bastante em não
pensar em nada”, trecho do poema o Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa.
Não que o cearense de 48 anos esteja mergulhado, de fato, no niilismo. Pelo
contrário: o amor e a morte muito lhe interessam, por serem terrenos finais
para o ser humano.
Vive no bairro das Graças, Recife, um sujeito robusto, grisalho, moreno, vindo de
Juazeiro do Norte, reservado à sua própria alegria, alegria. Pai orgulhoso, roteirista por necessidade,
escritor premiado, Sidney é um vivente que, como ele mesmo diz, não reduz a
velocidade na curva: a vida é do caralho.
A literatura é a sua
praia, onde trata da vida e da morte, do sexo, das mulheres, das angústias
humanas, do cotidiano, etc. Contudo, não tem restrições: o escritor escreve
tudo. E bate com o punho na mesa: o que o escritor tem que ter, cacete, é imaginação!
Longe de ser
panfletária, a obra de Sidney se aproxima bastante do existencialismo. “Na
minha juventude, me deparei com autores como Albert Camus, Jean-Paul Sartre,
Julio Cortázar que me respondiam questões essenciais, me identificava
exatamente com eles”, recorta uma parte da vida. Julio Cortázar é, por
excelência, o melhor amigo de Sidney Rocha, que lhe alimenta até hoje a
imaginação.
Tanto é essa identificação
com o amigo argentino, que acertaram juntos as melhores histórias para os
contos. Cortázar professa que o conto deve nocautear o leitor, como numa luta
de boxe. Para Sidney, a literatura tem que contar uma história com começo, meio
e fim. Mais do que isso, O Destino das Metáforas (2011), seu livro premiado no Jabuti 2012, revela que não
precisamos de metáforas para encarar a vida, a realidade está aparente. O
problema é que a vida é grave. Para todos.
Sidney Rocha é um homem
muito conciso, pode-se dizer assim. Não costuma confundir o preto com o branco.
Como no seu romance Sofia, uma ventania para dentro (1994), o escritor não tem nostalgia por terra alguma. A sua
terra está dentro de si, o seu porto seguro é nas pessoas amadas, a quem lhes
deve a sua simplicidade na vida.
Sua filha-única Annyela Rocha é jornalista, também escreve literatura e estuda cinema em Nova Iorque.
“Quando estamos juntos, em casa, costumamos trocar figurinhas sobre a
literatura. Ela me chama para me mostrar um romance que escreveu, eu também
falo de um personagem que estou criando. É uma relação de muita amizade”,
desvela seu lado pai-escritor.
Com o humor de quem já
provou bastante da vida, Sidney fala que não teve ambições que não pudesse realizar,
tampouco frustrações a listar. Ele vive em paz, na sua arte solitária.
Sobre seu processo
criativo? Temo que nas próximas biografias de Sidney, em 900 anos que lembrarão
sua obra, apareçam 900 novas explicações para essa dúvida. Sobre processo
criativo, ele tem apenas uma afirmação: o escritor inventa e para isto basta a
concentração. Mesmo assim, ele diz que costuma escrever duas páginas por dia,
logo cedo, às vezes em estado febril.
A mulher é um
personagem sempre em relevo na sua narrativa. “Às vezes estou escrevendo: Estava na farmácia, quando pediu um remédio
e o vendedor disse: Senhora!” Para o escritor, o substantivo vai para o
feminino naturalmente, mas que ficou evidente devido ao livro de contos Matriuska (2009).
Sua percepção entre o
primeiro e o último livro escrito foca o percurso, a construção de obra. Antes
de tudo, Sidney é um escritor profissional, que espera retorno do seu público,
embora se considere “comum”. No dia da entrevista, chegaram à sua casa dois
livros com contos seus traduzidos para o alemão. Leu para mim Continho trash prum mundinho cash e Magnetismo. Disse que admira bastante o
conto a égua branca e se identifica
com Castilho Hernandez, o cantor e sua solidão.
Fernando Pessoa vem de
novo, numa leitura emocionada: “A
vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o
que vemos, senão o que somos”. Sidney, um homem pacato sem ser provinciano,
prefere o anonimato, o silêncio. “Não bebo há quinze anos, não saio, detesto
almoços. Gosto de comer aqui nesta mesa, com esse paninho vulgar. Os lugares às
vezes são tão pretensiosos...”, defende-se. Gosta de pessoas, não de gente.
Um homem sem legado, sem importância, sem necessidade de tagarelar, com
um único objetivo na vida, emocionar as pessoas com a sua literatura. “Me
emocionaria, se pudesse ver depois da morte, alguém lendo meus livros, mas tudo
isso fica no reino da imaginação”, ri da realidade.
*Entrevista realizada no dia 07/11/2013, na casa do escritor, no Recife.
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