Enquanto isso, na política, cada coisa no seu tempo

Qual é o doce? Que doce? Ninguém tem tempo pra sobremesa. Acorda às seis, sai de casa às seis e meia, chega no trabalho às sete, sai de lá às dezoito. Depois come-se, dorme-se, no outro dia a mesma coisa. Por que, então, a corrupção, se o trabalho não nos deixa viver? O que eu tenho visto nesta mídia, que mais parece uma linha férrea, são escândalos e mais escândalos. Mas é preciso, de vez, alvejar algum desses putos. Não é possível.

Dia desses, acusavam Kassab de receber propina de uma empresa. Outro dia, foi Sarney. Teve o Demóstenes, o Perrella, Damázio, Costa Filho, Feliciano, Calheiros, Dirceu, Genoino, os tucanos, os petistas, toda a raça governista, os eleitoreiros.

Ao que me consta, existe um expediente, uma folha de ponto e outra de pagamento, é preciso pagar as contas, estar em dia com a justiça, é preciso andar pelo estacionamento até a sede provisória de governo, é preciso legislar, angariar recursos, fazer audiências públicas, sancionar projetos novos, criar emendas constitucionais. Isto, na esfera legal.

Na esfera ilegal, é preciso muito mais. Forjar documentos e notas frias, subornar auxiliares administrativos, cabos eleitorais, laranjas, seguranças, senhoras do cafezinho e, quiçá, o flanelinha. Ele pode ter visto uma nota azul pender pra fora do bolso do deputado. Daí para ligar uma coisa a outra nem precisa Sherlock.

Vejam só, é necessário ter uma coalizão! Imagine repartir o bolo o tempo inteiro, gerir toda a máquina: só entra quem tem o crachá. Você tem? Não, mas ora, veja só, vamos por aqui, vamos por aqui. Eu sei que você é oposição, mas moço, feche os olhos. Tcharam! Eis o dinheiro dentro da cueca. E nesta manobrinha safada gasta-se um dia inteiro, uma semana. É preciso se esquivar das câmeras.

Que maliciosas essas câmeras, pior são eleitores famintos. Pelas ruas, avistam face conhecida e já correm. Deputado! Prefeito! Patrão, me dê um dólar que é pra sair da miséria! E logo o burburinho se forma, crianças puxando o homem público pela camisa, isso num dia comum. É preciso ter um bolo de dinheiro no bolso para distribuir.

Andando pelas ruas da favela, um esgoto a céu aberto, a gente acerta o sapato fino, de couro de cobra, na lama. Infiltrou tudo. Que sapato fajuto! É preciso arrombar os cofres públicos para resolver essa maçada. E tome tempo.

Companheiros, o que é isso? Pelo que vi nessa peleja, esses senhores de colarinho têm dinheiro, têm popularidade, Rolex, madama servindo cafezinho no gabinete, mas cadê tempo? Não tem tempo. Tudo bem, se no Brasil tivesse lei, mas nem isso. Aí, tome relógio atrasado, tome compromisso, cadê a agenda da coligação? Cadê o acordo ambiental? Cadê a munição do jagunço? Cadê? A gente procura e não encontra.

Pior que, com a mesma facilidade que atrasa, o tempo também passa rápido. Quatro anos vão embora num instante. Quando a gente embolsa os três primeiros milhões, já tá na hora do elefante branco entrar na avenida. É hora das aparições públicas, do abraço do meu povo. Colocaram caspa nos ombros de Collor, ante Lula. Colocaram Lula nos ombros, ante Dilma. Mas Dilma foi pros braços dos operários de Suape. Cadê tempo? Nem pra curtir o Palácio da Alvorada, nem pro Torto, nem pro direito, sobrou até para a Casa da Dinda. Bichinha.

Como podem ver, caros, tempo é dinheiro. É preciso corromper espaço e tempo, mas nem assim a corrupção sai perfeita. No país do futebol, as linhas estão tortas. Os ponteiros desajustados, praticamente 200 anos longe dos portugas, 125 anos de república, mas é preciso erguer a justiça. Que nada, deixa disso companheiro. Num país do tamanho do Brasil, o que mais se precisa é de tempo. Enquanto uns gastam esse tesouro correndo atrás de dinheiro, outros apenas sentem o que é a míngua. Não aprenderam o nome, apesar do sentimento. Infelizmente, quando se devia estar na escola, estavam correndo atrás do pão. Mais uma vez, faltou tempo. E não se pode comer dinheiro.

Comentários

Postagens mais visitadas