Avenida Guararapes

Corta o cabelo dele: Mariana tinha sempre o olhar difuso. Corta: Alceu pintava um sorriso lacônico no rosto magro. Mãos fragilmente dadas, seguiam pela Avenida Guararapes. Uma das vias interditadas, Mariana perdia-se no rio pelo olho azul. Alceu ensaiava uns pulos, a mão solta, uns rapazes. Corta o cabelo dele.

Senhoras de saias longas, Marinete e Alcineia, pela calçada. Olhos em riste contra Alceu. Para que brinco? Para que madeixas? Corte logo esse cabelo, rapaz, que isso não é de deus. Dobraram na rua do Sol e sumiram pelo comércio a dentro.

Alceu, rosto magro, entradas de calvície, nariz afilado, enérgico. Puxava a mão de Mariana, que não esboçava reação. A moça, ancas largas, busto avantajado, anel no dedo da mão esquerda, mais parecia de outro planeta. Descargas de Alceu naturalmente se desviavam de Mariana. Corte.

Na ponte Duarte Coelho, Alceu esbarra num tipo fechado, terno preto, maleta na mão, um ríspido Enéas. Diferente do que se pode imaginar, Enéas ia vender ouro. Com que roupa? Segue Alceu pela Boa Vista, Mariana imersa no rio e Enéas no Largo do Carmo, procurando comprador.

Rapazes com as plaquetas no peito. Quer vender ouro, senhor? Enéas nem olhava. Procurava um joalheiro de quinquilharias, daqueles onde se possa expor as posses. O terno valia mais que o ouro, uma herança antiga. Por dentro, um vazio. Corta o cabelo dele!

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