Aquela cerveja prometida


Você beberia um copo de cerveja comigo em qualquer bar dessa cidade. Primeiro brinda comigo, brinda na garrafa da cerveja, que escorre o suor da geladeira. Com satisfação, você bebe até deixar o copo pela metade. Nos meus olhos, você olha bem, tudo que eles não disseram, tudo que eles podem dizer. Você grava bem onde está cada sinal do meu rosto, você sente a textura da minha pele, quando sua mão boba passeava para pegar o guardanapo e me encontra sem querer. Com que olhos você voltará pra casa? Todas as luzes estarão difusas, você tocará seus pés nas poças d’água, até que, na maior poça de todas, meu rosto aparecerá. Ele está em todo lugar.

Nesse dia, eu andava distraído pela cidade. Uma caminhonete soberba passou e atirou água suja em mim, que fiquei imundo. Estava de branco, me preocupei durante alguns minutos, de um lado para o outro. Um rapaz que passava, uns 16 anos, me disse que o estresse era desnecessário. Não pensei mais, não pensei.

Você me esperava no fundo do bar, na parte mais escura, onde só as letras luminosas te davam contorno. Pequena, bem sentada na cadeira, você olhava o celular, passando as mensagens do dia. Você não sabia que eu chegaria, você não me esperava de verdade. Mas eu chegaria. Você fumaria um ou dois cigarros, tentando tirar os problemas da cabeça. E eu chegaria, sem te conhecer oficialmente, e te beijaria porque, na verdade, é disso que você precisa.

A cerveja era bem gelada. Você estava com fome, trabalhou sem parar, o hálito combalido. Com a ponta do dedo, desenhei um sorriso na garrafa, que estava cinza de gelo. Você dava um meio sorriso, com o canto da boca. E de repente estávamos em outro bar, na beira da calçada. Luzes alaranjadas de um bairro mais afastado, na periferia. A churrasqueira fumaçava, dourando todos os espetinhos igualmente. Aquele cheiro de comida, minha cadeira tão perto da sua. Tanto amor em forma de pequenos detalhes!

As unhas carcomidas pelo tempo, já fazia dias que você não parava. E não era assim todo tempo, era um acaso. Você se acordou um pouco mais tarde, você conversou mais que devia, você olhou para o celular e o ônibus passou. Ah, esse dia! O absorvente que não dava conta, aqueles olhares tantos, desafiadores, pequenos, inoportunos...

Eu não trazia flores, não estava vestido adequadamente, andava apressado demais, lento demais, falava sem parar. Mas vai ver, era disso que você precisava. Até do momento de silêncio, quando saio para ir ao banheiro. Quando atendo o telefone, conversando com não sei quem lá e você só me olha. Contempla meu jeito de pronunciar as palavras, tropeçando nas sílabas, meus vícios de linguagem, macaqueando os velhos. É, eu falo Ricife.

De repente, você lembrou que deixou o brinco na penteadeira, olha para mim como se estivesse perdida e eu te beijo. Porque eu danço o passo da vida contigo, bem entrosado, que ninguém repara quando a gente pisa os pés. Depois de várias cervejas, te levo para a Rua da Aurora, bem silente. Tem três músicas de Caetano Veloso no meu celular e você certamente adora. Porque qualquer um teria essas músicas, mas logo eu, naquela hora, daquele jeito, com aquelas palavras poéticas e desajeitadas, aquele sorriso bobo no rosto. Já havíamos bebido incansavelmente. E beber virou a metáfora da minha vida. Mas, juntos, bebemos a última garrafa, saboreando cada gole naquele copo americano. E eu te levo comigo pelas ruas da cidade.

Comentários

Postagens mais visitadas