Aspereza



Aspereza. Foi o que eu senti quando toquei suas mãos no fim da madrugada. Uma luz ou outra acesa nos prédios vizinhos, um barulho de televisão quase surdo. Você roncava baixinho, depois de se remexer na cama, o lençol emaranhado fazia traços no seu rosto, o cabelo amassado contra o travesseiro macio. Sua mão ficou praticamente estendida para mim, eu não resisti: toquei sua mão inteira, a palma, a ponta dos dedos, o dorso, queria sentir a textura e a quentura do seu corpo ali, na superfície de contato.

Era como se eu sentisse teu sangue correr nas veias, a tua energia tomando conta de mim, o teu pulso seguia firme, tu estavas calmo, estava absorto no sono, sem demonstrar qualquer inquietação, certamente sonhando com alguma coisa ou apenas fitando a escuridão no horizonte das pálpebras cerradas.

Durante aqueles minutos de paz que antecederam o meu instante de adormecer, eu quis que aquela cena fosse eterna. Queria realmente concretizar o momento. Sem te tocar, me estiquei por cima de você e peguei o celular no banquinho do lado da cama. Primeiro tirei uma foto sua, depois tirei um selfie de nós dois. Fiquei de olhos fechados no nosso autorretrato, para parecer igual a você. Olhei a foto por alguns segundos, dava para perceber que eu fingia dormir, mas você estava lindo de olhos fechados, respirando calmamente, como se não houvesse amanhã, como se a vida eterna fosse uma certeza. Um sono sem pressa.

Eu podia dar o braço a torcer que você estava me espiando de algum lugar. A alma fora do corpo, sentada na cadeira no canto do quarto, olhando nós dois naquela cama. Talvez você estivesse mesmo nos flagrando. Eu não saberia dizer que universo paralelo permitiria essa possibilidade. Você estava dormindo, mas a sua alma estava ali nos observando, confidenciando a minha admiração muda naquele momento de intimidade. Eu olhei mais uma vez as fotos, senti que havia amor ali. Senti nas fotos o amor de nós dois.

Deixei o celular de lado, peguei a garrafa d’água e dei dois goles rápidos. Parecia que eu estava tomando fôlego pra ficar mais tempo ali, à sua espreita. O ventilador parado soprava uma brisa gelada, que arrepiava os meus pelos, eriçava meus seios de instante em instante. Eu vestia uma camisa grande, estava com uma calcinha larga por baixo, pra dormir confortável. Era sábado, não tinha pressa nenhuma, não era dia de trabalho. A gente acordaria certamente depois das 11h, pra tomar café na padaria e em seguida procurar algum programa ou diversão pelo Recife. Nada demais.

Resolvi dormir e, de olhos bem fechados, senti uma súbita angústia. Senti como se você tivesse sumido de perto de mim, como se eu estivesse sozinha, numa ilha deserta, como se ninguém mais me procurasse, como se tudo que eu vivi não valesse mais a pena. Senti um vazio perfurar o meu peito, senti que os sonhos desmoronavam, senti que não ia encontrar você quando descesse do ônibus na próxima segunda-feira. E isso fez meu coração parar na hora, me forçando a um sobressalto desesperado. Você se remexeu na cama, me tomou nos braços, eu mal pude te conter e nem mesmo tentei. Você ainda dormia, mas me agarrou inexoravelmente. Assim mesmo, meu rosto contra o teu, a tua respiração rente à minha, dessa forma apertada eu adormeci. Quando acordei, já não era a mesma.

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