A ciência dos dramas cotidianos


Passei dias juntando coisas que me inspirassem a escrever um poema sobre amor. Não é simples. Não foi fácil. Quando ouvi Roberto Carlos declamando Soneto de Fidelidade hoje de manhã, entendi a "missão impossível" em que eu havia me metido. Tanto que estou aqui, quase uma confissão, uma rendição: não consigo.
Mas a verdade é que o mundo está aí para nos mostrar as formas do amor. O amor se parece com o que nos falta, com o que buscamos. O amor é, sobretudo, o encontro com o que nos aquece. Tem a forma de momentos onde nossa angústia foi aliviada, experiências onde esquecemos a urgência das horas, de olhares que se entregam, de hesitações para sonhos e planos a dois. Costumeiramente, o amor tem a forma de alguém. E percebemos o amor melhor, tal qual uma ilha, quando estamos fora dele.
Se te perguntam como o amor se parece, é natural a hesitação. Primeiro virá aquela sequência de canções, livros e imagens que sinalizam o caminho percorrido, os dias, as crises e alegrias, esses fragmentos são o mapa da felicidade e da tristeza de cada um. Mas o amor se parece mesmo com aquele show onde se cantam juntos música a música, um momento de ternura e intimidade entre quatro paredes, o guarda-chuva compartilhado durante a chuva grossa e interminável no Recife. E não acontece, simplesmente. Nós o fazemos sê-lo amor. Quando decidimos telefonar.
Mais do que isso: o amor é a certeza de que a vida é uma equação sem resultado. Qualquer valor pode ser xis e vai dar errado do mesmo jeito. É uma certeza compartilhada, é o consolo da separação materna, da necessidade ininterrupta de respirar, beber água, comer; é o envelhecimento inadiável, a injustiça que lhe bate à porta todos os dias - sem o menor compromisso de se esclarecer. O amor é saber de todos esses pequenos dramas cotidianos e, mesmo assim, dar as mãos.
Escrever sobre amor, às vezes, parece chover no molhado. Mas, às vezes, lembrar que esse sentimento existe nos faz dar o próximo passo. Um dia de cada vez e muitos anos a fio. Depende da intensidade que amamos.

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