Não nos fale o óbvio


O homem literal geralmente é afastado da manada, porque diz verdades que ninguém quer ouvir. A verdade óbvia, acompanhada de convicção, intimida as pessoas. Ninguém quer ouvir verdades, ninguém quer enxergar o óbvio. E aquele que diz o que está na cara, geralmente com uma dicção sôfrega, é tido como esquizofrênico. E imediatamente ignorado.

Na falta de assunto, é melhor ficar calado, meu amigo. Se houvesse vontade de mudar o mundo, não teríamos chegado nesse ponto. É como se a taberna estivesse funcionando sem que existisse um dono. Cada um se serve. Cada um paga quando acha que tem que pagar. Cada um demora o tempo que for conveniente. Mas nada é dito. E todos se entreolham às vezes, quando há um vexame. Mas tudo é permitido, somos livres.

Não seremos demovidos, mesmo se atacarmos amigos indefesos. Não seremos demovidos, mesmo se cometermos injustiças contra pessoas de bem. Não seremos demovidos se errarmos, por mais que tenhamos boa intenção. Não nos demoverão, senão nós mesmos, entre si, como frequentadores da taberna. E não é um lugar benquisto. Mas as pessoas vão lá ao cair da noite.

Porque de dia você pode até fingir, macaquear um trejeito moralista. Mas à noite tudo é permitido. E tudo fica às claras. Como um momento de expurgo, vamos fazer o que queremos. Todos se entreolham. A música continua, a gente finge que não ouviu, quando o rapaz esquizofrênico reclamou que estávamos falando alto demais. Alto demais para esse horário.

Ninguém se importa. A senhorinha, vizinha da taberna, vai apertar o travesseiro contra os ouvidos para conseguir pegar no sono. Se não houver opção, vai alugar casa em bairro mais afastado. O que não pode é proibir a esbórnia dos outros. E nem falar o óbvio.

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