A nostalgia

               Não se fazem corações como antigamente. Nem sei se eram bucólicos, fidedignos, idealistas ou sabe-se lá o quê. Sei que os corações, mesmo os pobres diabos, eram tão lindos e leais, faziam-me pensar, em sonho, a vida como teatro, mergulhada em dramas sem fim, de alegrias cotidianas, mas diferenças cruéis recusam essa história de coração e honra. Empresários que mais parecem reis tiranos, políticos sujos como puritanos feudais, e a maioria das pessoas como ovelhas que saltitam no trampolim do abismo social e se empilham, como seres desalmados, mentes genéricas sem cavalheirismo algum, nem repertório de menestrel ou honra de batalhas hereditárias. A gente do mundo vivencia um ciclo melancólico aos olhos dos poucos primatas racionais e conscientes. Essa consciência permeia com o instinto predatório, que por hora rumina no pasto seco. Esses primatas loucos pedem corações, bradam insanamente, solitários.
            Tenho amado a vida intensamente, tenho sido bastante feliz. Tenho querido que escrevessem como meu epitáfio: Este foi feliz! E ter como mote da felicidade coisas banais, é isso mesmo, coisas burras e triviais. Sonhamos com nossa casa, nossos animais de estimação, nossos eternos amados e até os “odiados”, sonhamos com o que desconhecemos, são coisas infantis, distorções de realidade acinzentadas pelo sono. Mas sabem-se termos condições de sermos felizes, fechando os olhos, abrindo-os, com brisa, calor, tempestades de areia, pobreza, descontração e lamúria. Somos aventurados às contrações de parto, atenções infantis, educação e ensino, tempestades emocionais, exageros e uma forte dose de mundo, até que então a vida adulta e definitiva.
            Pus meu olhar fixo às ruas da cidade do Recife. O carnaval bate às portas e lhe negam o que é seu. As lojas expuseram fantasias, máscaras, apetrechos, confete e serpentina, cruamente. A rádio-divulgadora tocava forró. As pessoas caminhavam letárgicas, riscando listas de compras com a pressa de sempre, não com a alegria do carnaval. As vitrines, das poucas que estavam coloridas, vendiam artigos de bebês, toalhas, perfumes, vestuário. Não se viam palhaços decadentes, nem orquestras de frevo ressoando pelos becos, ou beijos roubados das paixões de blocos e troças, que se espalhavam no espírito do carnaval, como um gás do riso.
            Porém há vida no sorriso gentil, na modesta boa-fé, na alegria sem prévias, no ser vivo em sua profundez. Só há o fracasso na morte, porque enquanto coração palpitando, há instinto de ressurgir, com argúcia e ousadia. Na humilde vivência recompensada pelo sentido, não existem alindamentos forçosos. A vida é linda e infinda, pois enquanto dure e perdure, é de se experimentar a dádiva saborosa, porque maior prazer é viver.  

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