Os lobos da boemia souberam sobreviver.



Os meus companheiros não me abandonaram, mas eu preferi vir sozinho. Andando por esta rua suja, cheia de mendigos estirados pelo chão, prédios antigos e pichados, à fumaça dos industriais, iluminada pelas poucas luminárias urbanas, o centro da cidade, com um cigarro entre os dedos, há certa boemia.
E que sabedoria eu tiro de tudo isso, se nunca fui boêmio, porque não alcancei essa alcateia de pulmões infiltrados e fígados poderosos, além tudo, cérebro tatuados com morfina culta, que foi à transcendência e por lá deixou seu legado. Esses poetas do improvável, infelizmente, só souberam o suficiente para deixar os eruditos de boca cheia e algumas dúvidas no ar. Foram providenciais, ainda assim.
Eu descartei a companhia das autoridades no assunto, porque sozinho vejo o largo do Carmo e enxergo vida. Dispenso comentários infames por enquanto. A vida tem valido o que damos por ela. Sempre foi assim, mas houve quem maquiasse a realidade e nessa mentira ficou como a pós-modernidade do ocidente made-in-China. No fogo cruzado, seres negros, queimados pelo sol, sórdidos da poeira que batemos dos nossos pés burgueses. Nós somos a vida, eles o que sobrou dela; o que jogamos no lixo e eles, como cães remexendo os entulhos, separaram o proveito e jogam em suas bocas vãs. Essa é a maquiagem mórbida, pronta para o sanatório social, nossas cidades, bairros, condomínios e ruas: nossas casas entupidas de pão francês e novelinha das sete.
Só queria me apoderar dessas cabeças ocas e manipulá-los à leitura desenfreada. Não vejo um Bukowski ou Clarice Lispector nos braços de ninguém, pela rua. Vejo muitos cristãos de bíblias nos sovacos, com seus cacoetes que beiram à insanidade. Mulheres sem vaidade, berrando ou anunciando (como elas preferem) a vinda do Messias. E quantos sujeitos batizados Messias (Da Silva) estão debaixo das marquises, exalando um fedor de morte e de abandono, porque não escolheram viver esta subvida cruel, nem são ouvidos. São vidas sem valor algum, que nascem e morrem imperceptivelmente, enquanto louvamos tantas coisas bobas.
Eu dei um gole no uísque, que me desceu muito amargo. Coloquei o dedo na garganta, esperando regurgitar a bebida, mas os engulhos da náusea foram os que me valeram a vergonha na cara. Cuspi o chão, quando merecia ser cuspido. Fiz a tragédia de ser e existir nesse tempo separatista, onde o altruísmo rende um lugar no céu, uma manchete na TV internacional, um Prêmio Nobel da Paz, tornar-se Símbolo Nacional e, talvez, um feriado, um beato, um canonizado... Menos o benfeitor pelo bem. É uma lástima que os boêmios souberam suportar. Observaram tudo isso como ninguém, e dispensaram a oração, porque o mundo precisa de atitude, e cada ideia dita ou escrita foi um passo para renovar a nossa humanidade.  

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