Crônica libertária e dolorida

Às
vezes, me incomoda saber que tudo gira em torno de política, hoje e
desde há algum tempo. Que não se é possível completar, que o
tempo extingue nosso anseio, que a verdade é infinita, enquanto que
nós somos meros flagelos. Queria poder voar, apenas. A leveza como
elemento de uma existência protagonista. Atacar, escolher, decidir,
mas tudo é política.
O
sentimento que liberta. A guerra que oprime os olhos. A experiência
do sopro, sentir o peito esvaziar, o fôlego se esvair, lentamente
retomar o oxigênio e se sentir preenchido de leveza. O peso do corpo
sobre as pernas é o peso do mundo sobre os ombros, o peso da
existência sobre a alma, sobre a mente, sobre a verdade. A
consciência de si e do outro. O outro. Os outros e si mesmo. Tudo é
política, mas como dói...
O
compasso dos dias, das vezes, os fatos que se sedimentam sobre a
superfície da nossa face, olheiras fáceis, rancor, ranço,
hanseníase, raquitismo, febre humana. O universo nos adverte e é
preciso uma resposta uníssona. Um líder? Jesus, João, Maomé,
Hitler, Gandhi, Galdino, mas quem? Quem seria o pai do amor, que é a
coisa mais bela e natural que existe? Como a água natural, que nos
desce à garganta como um abraço, deslizando com maciez, com calor,
com prazer.
A
dor, que silêncio ela nos traz? Ninguém nos permite a dor ou, se
permite, que ela nos mate. E se matar, por que não morrer duas vezes
e desmorrer em seguida? A política das coisas está além das coisas
políticas. Existe o arranjo, a retórica, a democracia, o
republicanismo, a demagogia... a demagogia, meu deus? Quem a haveria
inventado pensou nas crianças?
O
que sabemos é que do lastro de sangue se faz a paz. Cada um que siga
pelo caminho mais cômodo aos calos dos pés, porque o trabalho é
implacável, temos que viver, no mínimo. Existe política, de
ideologia, até para olhar para as coisas. É a ideia que se apossou
de um sentimento. Uma infâmia que encharcou o signo do ser humano.
Houve
outras épocas na história da humanidade, hoje só temos o
raciocínio linear, o argumento. Que é debate, que é política. Não
é mais romance, é combate de forças. E a história da defesa
apaixonada? Do frio na barriga, do choro? Não se pode. Faz-se um
plebiscito, escolhe entre Marx e Coca Cola. Impossível ensaiar,
tocar pela primeira vez. Como é bonita a imagem do menino que
conheceu o gelo, de gente que vê o mar pela primeira vez, que beija,
que ama, que rela o joelho, que grita, que arde, que inflama o
discurso...
A
poesia e os jornais. Eu não sei mais. Se for preciso, necessário e, pior ainda, se for ultimato, como Clarice Lispector sugeria, eu
digo sim. Para que tudo se refaça, para que pesadelo e sonho reatem
a amizade na concepção da nossa visão universal, para que o mundo
volte a ser piegas, melancólico, melodramático, o mundo carregado.
Sim, como num referendo, quero-te de volta, mundo cruel. Mas mundo
meu.
Comentários
Postar um comentário