Um objeto no meio do caos: o dinheiro
Chegou mais um
recibo por SMS no meu celular, é o cartão de crédito. Eu tenho
gastado o meu dinheiro feito um doente terminal. Dinheiro que não
tenho, é verdade. Mas há tantas justificações, a vida é
terminante. O que eu posso fazer? Apenas dizer sim. É justo não termos tudo que
queremos ao alcance da mão? As pessoas são muito cruéis, umas com
as outras. Mas eu estou com fome agora. O que posso pedir pra comer a
essa hora da madrugada? Uma pizza ou um hambúrguer? Será que o
frete sai caro? É mais seguro pedir para entrega do que ir buscar,
com toda essa violência. E um molho especial cairia bem, não é
mesmo? Só vai ser dois reais a mais, não dói nada.
Um violão, eu
preciso comprar um violão. Serve para dar vidas às canções
malucas da minha cabeça. Palavras não descrevem o que eu penso
agora, está tudo muito confuso, muito nebuloso, lembrança por cima
de lembrança, sonho e realidade se misturam. Um violão daria forma
à minha loucura. Quanto custa esse aqui, moço? Sim, à vista. Pode
embalar para presente. É para mim mesmo. Eu mereço, afinal de
contas. Obrigado.
Eu não tenho
controle do dinheiro, doutor. Inventaram o cartão de crédito, o
cheque especial, essas coisas que fazem a gente pensar ilusões. Eu
só queria ter uma vida digna, uma vida em que nada falte, como no
tempo que eu era criança. Tinha oportunidade de comer as coisas mais
gostosas sem pensar no esforço para ter o meu próprio dinheiro.
Vinha tudo dos meus pais, da maneira mais fácil: me dá dois reais,
mãe? E o dinheiro estava nas mãos. Maldita moeda de troca. Que
estragou a minha vida, eu não sei mais o que faço. E agora mesmo
penso em beber, num bar qualquer, para expulsar esses demônios de
dentro de mim. A conta deve dar trinta reais, quando eu já estiver
bêbado e de barriga cheia.
Há meses em que
demoram para depositar o dinheiro. E eu só me pergunto se é
possível esperar, se eu posso continuar comendo macarrão
instantâneo. Nunca mais pisei no cinema, haja vista tantos filmes
maravilhosos em cartaz. Paro defronte do São Luiz e me demoro lendo
as sinopses, imaginando as cenas. Cruzo a ponte, estou no bairro do
Recife. Uma livraria, os best-sellers na entrada, chamando-me a
atenção. Leio um por um, a primeira página, sinto o cheiro ao
folheá-lo, sento-me na poltrona e o aroma de toda a livraria me
agrada muito. Não posso levar nada, mas ainda assim ponho na bolsa
uma revista. Põe no débito, moça.
Qual a diferença
entre ser generoso e ser gastão? Depende da época. Se for começo
de mês, não tem problema. Final de mês, eu tô fodido, nem me
peçam. Só tenho dinheiro para as minhas extravagâncias secretas.
Os lanches, a mulher do supermercado que já me conhece. “Comprando
essas cervejinhas em plena terça-feira, meu amor?” Eu dou um
sorrisinho e ela se despede: “até amanhã!” Bem sabe que eu dou
sempre as caras, para comprar qualquer besteira. Não me controlo,
doutor. Os vídeos de finanças pessoais não me ajudam muito. O
senhor aceita um café? A cafeteria vizinha é muito boa. Vamos? É
dia três ainda.
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