O abraço da serpente



Você cruzou a ponte e apertou a mão do inimigo?
Imagine que ele seria a última pessoa com a qual você teria contato
E você não tem o direito de desumanizá-lo
Nunca teve.

A ponte estava sempre lá, quando os tempos eram de paz
E a paz perdeu o sentido, esvaziou-se de vez
Os pobres, marginais e falidos não a reconhecem
Não puna a quem você não conhece.

Mostre a verdadeira essência do seu coração
E não sinta vergonha, se abjeta ela for
Porque, a bem da verdade, estavam todos preocupados consigo mesmos
E ninguém nunca se importou de lhe dizer palavras gentis.

O ponto final na carta revela a mágoa sutil
A vontade contida de cortar relações
O impulso do ódio que sentimos na hora da decepção
Mas matar não adianta.

Você descarrega a arma, esfaqueia o outro
Quando um tiro bastaria, mas é tudo teatro
Você não sabe muito bem o destino daquele improviso
Você não é exatamente culpado.

Poucas maldades macularam o caminho da História
E, ao contrário do que se pensa, as maldades estão vivas
Dentro de nós, as maldades pulsam silenciosas
Não podemos negar nosso cinismo.

Mas usar isso como justificativa para o suicídio
É meio penoso, uma vez que pensamos
Uma vez que o mundo é contingente
E certa é apenas a natureza, que nada inscreve sobre a moral dos homens.

Portanto, quando estiver defronte do inimigo
Cruze a ponte e lhe aperte a mão direita
Ninguém fará o gesto por você
Existir nunca será o bastante.

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