Paciência, a esfinge veio sem nariz


Tem vezes que a gente anda pela rua, procurando um pé de gente e não encontra. A gente procura um pingo de chuva pra aliviar o calor da terra e nada. Um pão e um ovo para matar a fome, na madrugada, mas só tem água.

O domingo amanhece como se estivesse reanoitecendo, todo cinza. Se olha no espelho e as olheiras permanecem, mesmo com 22 horas de sono ininterrupto.

Tem dias que a gente acorda animado e encontra um engarrafamento na porta de casa. Tem horas que a gente quer morrer, mas a vida angustia o coração da gente. O xampu espalha pela cabeça e o cabelo encrespa, a tevê continua chiando, o interruptor dá choque, o cachorro caga a casa, o gato arranha o braço, o vizinho arrasta os móveis, quando a gente só espera paz.

Quando janeiro chega, o toró não dá trégua, o dinheiro acaba, a agenda enche de compromisso. Quando a gente se perfuma, de Don Juan, a bela adoece. Quando a gente se declara, a bela ignora, quando a gente desabafa, a bela diz que é drama.

Quando a gente estuda, a prova vem mais difícil. Quando acorda disposto pra ler, o trabalho aperta. Quando quer dormir, precisa acordar cedo. Se esperar demais, nada acontece. Quando vem rápido, vai embora na mesma pressa.

O gigante acordou e dormiu muito mais rápido do que se imaginava. Colocaram o dedo em riste e deixaram o tempo amansar a fúria. Quando ouvi o barulho do motor, corri para a parada e vi passar apenas o carro do lixo. O carro do lixo acabou virando na esquina, três vezes capotou e espalhou a sujeira pela rua.

Tinha um livro que levava o meu nome. Que livro chato. Ouvi o telefone tocar, mas quando atendi, foi engano.  Uma pizza cheirosa, de gosto péssimo. Uma capa linda, conteúdo questionável. Uma água transparente, porém muito fria.

Ah, leitor, mais um texto discorrendo sobre as expectativas frustradas da vida. Até aqui, quantas lembranças de situações malogradas. Mas não haverás de achar a chave para a glória. Que poderia eu, de 19 anos, falar de frustração? Aquela pueril, quando a gente quer ir a uma festa e os pais proíbem? E se eu dissesse que a desobediência é o segredo?

Mas, ao romper as correntes, nos deparamos com um mundo incógnito. Uma folha em branco, um grafite e a dúvida. Aí tornamos ao pó, ferindo nossas mãos em excessivos murros em ponta de faca. Enxugando o gelo, andando em círculo, reproduzindo bordões, se encontrando em lugares comuns, chafurdando na lama.

Que frustração maior que uma miragem? É porque resolvemos ditar a vida, sem saber o melhor que ela tem a oferecer. Já dizia o poeta, a felicidade autêntica é desmotivada, impensada. Não criamos expectativa, não estimulamos o futuro, não buscamos estratagemas para construir um líder de mercado, um homem infalível, além do homem. Não.

É essa a palavra mágica: não. Quantos nãos teremos que ouvir? Infindos. A piada, já dizia um goianense peculiar, é feita de tentativa e erro. É a matéria da vida. O problema é que temos uma mente bastarda, que nasceu dando pela falta de alguma coisa, essa que não existe, que não tem nome. O quebra-cabeça do homem e da mulher veio com uma peça faltando. Nós é que ainda não reconhecemos. Esta frustração, a nós, é inata. É a esta condição que está associado o nosso amadurecimento. Então, nada mais, nada menos, paciência. A esfinge veio sem nariz, ponto final. 

Comentários

  1. Esse é,sem sombra de dúvidas,o mais agradável.Consegue ser amargo e leve ao mesmo tempo,coisa que pra mim é bem raro kkkk
    Bom tabalho :DD

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