O segredo do teu sorriso


Eu relia meus textos antigos quando ela apareceu. Distraído, achando a maior graça nas minhas tolices, na beira do Capibaribe, junto da ponte. Era um dia cinza qualquer, com carros parados no sinal, um jovem malabarista colorido. De cabeça baixa, eu me levantei lendo, a bolsa pendurada no ombro por uma só alça. Tinha tantas folhas na mão, mas um estrondo repentino rasga meus ouvidos, levanto os olhos assustado e esbarro nela. Fico imóvel. Não sei o que dizer, não sabia descrever num primeiro momento e ela passou. Deixou uma brasa no bolso do meu peito.

Cecília. Nome com acento. Personalidade séria, pessoa objetiva. Depois que todas as minhas folhas voaram pela cidade, rio adentro, pensei um pouco mais, aquela moça era da minha rua. Como não lembrei? Cabeça louca. Lógico que Cecília era conhecida, algumas vezes já espiei seus passos firmes, aquele olhar direito, cabelos finos penteados com doçura, sempre soltos. Os olhos eram afetuosos. Nunca nos falamos, mas ela sempre acenava com a cabeça. Eu devolvia um sorriso.

Noutro dia, tinha uns documentos para entregar num escritório do governo, na Ilha do Leite. Fazendo favor para os outros, claro. Chegando ao balcão, dou de cara com Cecília de novo. Devo ter arregalado os olhos, porque ela já veio sorrindo. Como cheguei cedo, tinha só um rapaz sentado no fundo da sala, meio perdido. O mais que pude deduzir é que ele chegou sem saber pra onde ia, checava o celular e remexia os papéis numa pasta. Cecília até tentou ajudá-lo, mas ele não soube explicar. Azar o dele.

Entreguei os documentos, ela pediu para eu assinar do lado.

- Que assinatura esquisita!, disse ela.
- É de família. Meu pai assina quase igual, respondi, meio sem graça.
- Te encontrei no centro da cidade na semana passada, não foi?, perguntou ela, me pegando de surpresa.
- Era você, não era? Me desculpa, é que eu sou muito desligado. Tava lendo meus textos, minha cabeça em outro lugar, nem esperava te ver ali. Você tava fazendo compras?
- Não, não. Eu tinha acabado de sair da fisioterapia. Estava indo para o curso de inglês. Falta pouco para eu acabar, respondeu ela.
- Massa. É Cecília, não é?
- É sim, como você sabe?
- Reparei no crachá. Aproveitei, né. Não sei se terei outra chance de saber.

Ela riu levemente. Lindamente. Foi lá dentro, sem dizer nada. Fiquei apreensivo, mas também não disse nada. Ela não demorou muito, voltou com um pequeno papel na mão.

- Toma. Infelizmente, preciso atender aquele rapaz, hoje está um pouco corrido meu dia. Se cuida, tá?
- Tudo bem, sem problema. A gente se fala, então!, respondi, toquei na mão dela e fui embora.

Aquele era seu telefone. Nove dígitos, fiquei pensativo. Guardei no bolso do peito. Estava sem mais nada para fazer pelo resto do dia. Voltei para a beira do Capibaribe, comprei cigarros no meio do caminho, resolvi fumar um instante. Mas antes, mandei uma mensagem: “vi você naquele dia. não sei como explicar, queria que aquele momento durasse a vida toda. queria que você pudesse ver o quanto é linda”.

Ela visualizou a mensagem, mas não respondeu. Devia estar ocupada. De repente, meu celular vibra, chega uma mensagem dela. “alguém leu a minha mão nos últimos dias. eu sabia que você ia chegar. não sei pra que, nem por que. mas fica?”

Cecília não tinha sorriso aparente, talvez fosse estratégia de defesa contra mau olhado, contra gente ruim. Ela era simpática sim, sorria para as pessoas, dava bom dia, acenava para mim sem ao menos conhecer meus cacoetes. Mas naquele dia ela me deu um sorriso que veio do coração. Não sei se ela se distraiu e acabou entregando o jogo. Aquele sorriso me fisgou.


Quando li a mensagem no celular, atirei todos os cigarros no rio e corri para o bar para tomar uma cerveja. Fiquei feliz, virei o copo de cerveja de uma vez só. “claro que eu fico”. Ela me mandou outra mensagem: “sem atraso, me encontre no bar que fica perto da sua casa, de 22h”. Olhei para os lados, rindo meio abestalhado, ninguém sabia da minha felicidade. “pode deixar, Cecília”.

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