O vento da noite.

O vento que bate na parede é tão maldito. Tão maldito que me arrepia, me deixa com sono, me esfria a força e a fé. O vento que bate na parede é frio e vem do ventilador, sopra a sinfonia da rotina, o som que, todas as noites, reclama por existir, o barulho sonoro que soa dissonando o sono. Tão maldito que peca, a vileza do silêncio na madrugada recifense. É vento, é som e agora cheiro. Pela casa ele corre, olhando se está tudo no lugar, livros, papéis, sujeira do jantar, a meia sobre a revista, contas, cadeiras, mesas, tevê. Vê se tem comida na geladeira e no armário, se as garrafas de cerveja estão na cozinha, se as baratas correm por trás da geladeira. O vento repara na janela entreaberta, o som que sopra da rua, outro vento, que canta noturno, as luzes acesas, a insônia, um holocausto ao bem-estar. Os mal-humorados estão acordados, trocando de canal, bebendo a água quente que trouxeram da última vez que passaram pela cozinha. O vento corre pela rua, os seguranças cochilando e o ruído dos carros, os freios, o motor em pleno semáforo fechado, uma moto que passa veloz. Os cães que se refugiam do frio, à sombra do sereno, o orvalho que tarda em chegar, passar e o sol aquecer mais uma vez. O vento corre pela cidade, sobrevoa como quem nada quer, sobe um tanto mais, sonha, apetece, acorda e vê, é um Recife das pedras. Desacreditado da verdade que peca sempre, desce e vem ver meu sono. Devo me remexer, ele procura uma parte de lençol levantada. Entra, as pernas gélidas, os braços arrepiados, o corpo mal coberto. A bexiga pressiona, o volume no pijama não cessa, só deve diminuir ao acordar. Ao repique dos alarmes de celular, o sono, dantes movimento rápido dos olhos, vai se descobrindo, saindo os escombros da noite, do silêncio, que já não foi e agora mais ainda. Daqui para o despertar, custa umas horas, é bastante para que o vento desfaça, acalente-se e aguarde a noite chegar. 

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