Sonho Voyeur.


     A criança não parava de chorar. O seu pranto ecoava pelos quarteirões, mas porta ou janela alguma se abria servindo o auxílio. Célia, moça jovem e honesta, apertava-a contra o peito delicado e quase nu, suas poucas roupas sobreviviam ao frio de junho. Tinha ouvido mais cedo: Sorrir é o primeiro passo à felicidade. Gostou da frase e ficou tentando sorrir, sem obter sucesso. Ela apenas mostrava os dentes, mas os olhos não se permitiam brilhar, exibindo um pseudossorriso claro. Nesse passo lento, Célia acalentava a criança e seguia pela rua deserta.
    Subitamente, uma leve chuva precipita-se, molhando a terra e espalhando o cheiro do barro lavado, disperso pelo chão. A pobre rapariga não podia e nem se permitia correr com a filha nos braços. A menina cessou a lágrima, engasgando-se com a garoa. Embrulhou-se no colo da mãe, que pode resignar-se, ter paz.
    Quando dobrou na esquina do Paiva, poucos metros depois, veio da Rua Borborema, um carro vermelho que parou ao lado dela. Célia engoliu o pouco de saliva que tinha, arregalou os olhos, num frenesi interno agonizante, abraçou a filha com força. Já ofegava muito e quando ia ensaiar uma discreta fuga, o vidro do carro desceu lentamente.
    Dois homens de meia idade, cabelos lisos, fitavam-nas misteriosamente do interior do carro. Um deles, de barba feita e aliança de casório, levanta uma cédula de cinquenta reais, oferecendo à moça. Célia, num breve embaraço, compreende. Abre a porta traseira, encosta a filha numa boa posição de dormir. Os homens partem para um motel aristocrático da zona norte.
    Entrando no quarto, ela aloca a garota num sofá de couro da entrada. Ela se remexe um pouco, porém continua dormindo. A mãe joga uma bolsinha infantil sobre a mesa. Os homens estão tirando os seus respectivos ternos finos. Nota-se que são endinheirados, não meros motoristas ou guarda-costas. Ligeiramente, Célia despe-se. Sua respiração tinha diminuído de ritmo, mas o frenesi permanecia. E assim, eram uma ménage à trois, quando se deitaram no leito.
    A pequena Nadine acordou-se e ninguém percebeu. Ela continuou de cabeça assentada sobre o travesseiro, apenas de olhos bem abertos. Célia tinha a boca fechada por um pano escarlate e acolhia os dois simultaneamente. A criança parecia confusa e, no entanto, não se movia. Ficou nessa posição até o fim da transa, quando tornou a fechar os olhos e adormecer.
  Os homens levaram-nas em casa e deixaram mais algum dinheiro. Célia conseguiu manter-se dessa forma, sem saber que sonho a filha teria. Nadine nunca entendeu nada, mas viu repetir-se essa cena em todas as noites da sua curta vida, que se findou num suicídio aos 16 anos, perdendo sua virgindade para dois rapazes.

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