sentidos e domingos.

    Um domingo sem chão, sem céu, decepado. Desci as escadas apressado em chegar a casa. Era um dia vazio aquele, que se aguardava ansiosamente o fim. As pessoas andavam lentamente, perdidas nos seus sortilégios, analisando suas culpas, relembrando seus bons e maus momentos. Eu penava o cansaço duma longa noite em outra casa. Depois do sexo, perdi o sono, sentei-me à mesa, com uma garrafa d'água, lendo jornais velhos. O edifício vizinho, com pintura desgastada, bandeira da Tunísia na cobertura, vizinhança barulhenta e desajeitada, um cortiço. Custei a dormir, numas angústias e amarguras da minha vida, meus óculos remendados que não auxiliam a leitura, a frieza do meu sentimento que não me engana.
    Tive em mim todas as cargas da noite mal-dormida, agora só o vento seco do centro do Recife me toca, não com um afago, mas com a indiferença de mais um vivente naquele deserto mal-estar. A passos rápidos, eu sentia cada metro de rua, como páginas de um livro, de feições agrestes, mas nem por isso insignificantes. As paradas de ônibus, insalubres, cadeiras quebradas, lixo espalhado, folhas de jornais e anúncios, folhetos, panfletos. Nos postes, propagandas de pais-de-santo, cursos, oportunidades. Os prédios da Boa Vista, avenida sem alma aos domingos, me diziam nada. Observavam minha breve passagem, assustada por assim dizer, com olhar distinto de tudo que se prega superior. Eles davam à Cidade sua aura maculada e sórdida. A Cidade, que nos carnavais se encobre de confetes e serpentinas, agora me inquiria o pensamento.
    No peito, a ânsia pela chegada me corroia. Amputava meus ânimos a todo instante. Na esperança de encontrar algum burburinho de comércio, de trova ou pregação, eu olhava o horizonte das ruas, dos sobrados, cinema, autarquias e lojas. A visão das pontes já era imediata, apenas andarilhos, fregueses inconformados, andantes despretensiosos ou desprendidos. Eu me sentia só. Os semáforos resignados piscavam a cor, sem simpatia. O Capibaribe tinha suas ondas cruas, de sempre, escuras. Ponho-me de mãos no corpo, inicio a corrida. Já não é hora de permanecer sozinho. Começa a crescer o sentimento de desespero. Fui ziguezagueando as ruas, da Concórdia, Praça do Carmo, Dantas Barreto, parada de ônibus. Ofegando os sentidos, esquecendo todo o escárnio, eu só podia aguardar o ônibus, para onde quer que eu fosse. Só não podia ficar por ali.

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