será o meu amor, utopia?

      Jane não atendia minhas ligações. Estava numa situação em que poucos imaginavam a minha presença, pois eu, sinceramente, não prestava. Estava ciente disso, mas tinha meu orgulho e não queria demonstrar fraqueza. Ela, certamente, não queria me ver, me achava um verdadeiro filho da mãe por tê-la iludido, simplesmente. Mas ainda sim tive o impulso de tentar consertar a merda feita. Resolvi procurá-la. Como já estava tarde, eu apenas pioraria as coisas. Não consegui dormir, senti coisas insensíveis a um bêbado, leigo, mais um dentro da grande cidade. Praticamente sonhei acordado com o amor que percebi possuir. Esperei o tempo passar. Às cinco da manhã tomei banho, esquentei meu café e saí para me apresentar em expediente, só mostrar minha cara lá. Ainda observei a garrafa de aguardente, meu vício me chamando, mas fui mais forte pela primeira vez. Não me reconheci. Cheguei ao ônibus, àqueles cumprimentos com os colegas de trabalho rotineiros, os procedimentos normais e logo me sentei para fazer meu trabalho. Com certeza eu tava pra baixo, mas ninguém merecia e nem era obrigado a ouvir minhas tristezas. Viagens sonolentas e ao raiar do sol, comecei a ver aqueles velhos pichadores, os buracos e os mendigos de sempre. Tudo tão normal por fora, mas por dentro a depressão era imensa. Meu dia é sempre assim e nesse dia não foi diferente. À noite, quando sabia que ia vê-la, planejei alguma coisa. Ao chegar a casa, vindo um pouco cansado, aquele velho staff, pois fora uma terça feira conturbada, eu não resisti e o gargalo foi o caminho da minha loucura, mais uma vez a cachaça me consumira. Sem lucidez, sobriedade ou algo do tipo. Um vício incontrolável, destruidor de mentes e de vidas, talvez a causa da minha dor.  Adeus aos planos, às flores que o meu cão não hesitou em destruí-las, pois seria um grande trunfo. Ainda existia a maldita esperança. Fui à rua e um taxista louco por dinheiro atendeu a um desorientado, me levando onde encontraria Jane. Qualquer um perceberia minha loucura, nunca chamei, sobriamente, ela de qualquer coisa ruim e dessa vez chamei. Deveria estar preso, mas não há regra onde vivo. Meu inconsciente queria enganar a mim, não conseguiu. Estava eu na Avenida Recife, onze da noite, semelhante a um maníaco, seguindo lentamente a moça. À primeira tentativa de contato com ela, recebi milhões de xingamentos hediondos e como estava embriagado, falei para ela as coisas que tinha dito antes, dizendo que ela era vagabunda, que não deveria ter me deixado. Ela chegou a me ameaçar e pedir distância. Desisti. Chega de humilhação. Pior que eu merecia mais, por que eu sei que o mínimo que fiz a ela foi uma traição. Com certeza eu quis sumir naquele momento, mas me contive em minha verdadeira insignificância. Desci, paguei a corrida e sentei na calçada. As pessoas da parada viram o que aconteceu. Não ligo. Comecei a observar as pessoas ao redor e percebi uma mãe com seu filho. Lembrei de mim e de minha senhora. Ah, velho decepcionei muito ela. Tenho certeza que ela não esperava um vagabundo imprestável, que vive de favores. Mas enfim, queria sumir de vez e como minha embriaguez permitia, me deitei ao canto da calçada e tentei evaporar-me, dormindo. Sem sonho, sem amor, sem importância...

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