A resignação

Três dias de purgatório.

De fato, me resigno. Vou ignorar os maus tratos e os desdéns de outrem. Já basta os que nutro por mim, quando uso da falsa devoção. Quantos charlatães vivem rondando as livrarias à toa, brandindo uma superioridade execrável, são mesmo uns fudidos. Deve haver um lugar onde ninguém me faça acontecer, é pra lá que vou, de mala e cuia. É penoso mudar por outras gentes que adoram maledicências, mas fazer o que? Acostumamos-nos com muitas ideias malucas na vida e essa não seria a primeira, nem a última. Não vou renovar minhas rotinas, o que tenho basta. Pasta de dente barata, banana frita ao café da manhã, o jornal sensacionalista da cidade, cheio de crimes hediondos, mas tem política e cultura: é o que posso fazer e gosto disso. Não fumo tanto que possa me prejudicar, e as vezes em que for malicioso: É assim que me querem, prudentemente malicioso. A fantasia dos homens prevalece sobre a realidade do mundo e desse modo, sou odioso, não só vil. Vou gostar das sacanagens mais sodomitas, as drogas mais despudoradas, o eterno retorno e toda a balela anticristã que Nietzsche produziu, além da cascata de seguidores ditosos, como Freud e Sartre. Chega de otimismo. Posso esperar de mim a cagada matinal, contemplando as manchetes sanguinolentas ou de corrupção, os arrotos e gargalhadas após o almoço, palitando os dentes, e o cigarro acompanhado de café nos intervalos do escritório. Tenho bons livros de poemas guardados, de Homero a Chacal.  E como o próprio Chacal indica, tenho meus momentos de belvedere, apreciando os prédios altos e precisos, a pequenez e momentaneidade das pessoas, vistas do oitavo andar, as antenas de rádio e tevê no seu piscar cadenciado, os aviões corriqueiros, a vida da cidade grande em movimento contínuo. O máximo que posso fazer, de diferente, é ensaiar uma caminhada matutina, que asseguro durar míseros dois dias. Eu já leio bastante, tenho meus vícios infalíveis, minhas paixões sexuais e pornográficas, que o meu gosto por Nelson Rodrigues, simplesmente, não as satisfaz. E mesmo nos livros, estou me exaurindo. Quando isso acontece, procuro rostos bonitos ou feios para me acalentar, músicas de rua, filmes vulgares, prosaísmo. Vou às feiras pra comprar vinis, objetos inúteis ou manufaturados, souvenires para encher as prateleiras, vez por outra, uma coisa realmente válida.  Só assim posso gozar. Não fujo do ideal consumista, tampouco colaboro para os filhos da puta enriquecerem e depois me criticarem. Faça-me favor, tenho meus méritos e, cá pra nós, são brasa, mora? Agora, já que falei de consumo, é hora de gastar meu tempo com mais sabedoria: A felicidade me espera. 

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